Por incrivel que pareça, a história começa no primeiro post. Nada de querer espionar e querer começar a ler pelo fim. Procure a primeira carta e divirta-se.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

2ª Carta

Paris, 20 de setembro de 1984



Irmãozinho,



Pela primeira vez experimento o verdadeiro sentimento da palavra “liberdade” e descobri que ela nada tem haver com não ter responsabilidades ou não ter compromissos. Há dois meses estou em Paris, há um comecei meus estudos e faz quase um mês e meio que comecei a trabalhar num café que a coisa mais linda. Desculpe por não ter escrito antes, mas quase não tive tempo e, pelo menos nesse comecinho, não queria usar muito o português. Acredita que nesse tempinho meu francês já ficou bem melhor? E que língua linda! Parece que a qualquer momento alguém pode fazer uma declaração de amor ou recitar uma poesia. Admito que, de um modo geral, os franceses não são muito simpáticos, mas há as exceções, pessoas realmente fantásticas.

Paris é linda! Melhor do que imaginávamos – lembra da nossa brincadeira de fazer tours pelas cidades do mundo a fora? – e muito mais bonita que nas fotos. Não moro no centro da cidade, o aluguel lá é exorbitante, mas tudo é bem perto de metrô e até mesmo de bicicleta ou a pé. A torre Eiffel, visão que te segue em todos os lugares da cidade, é fabulosa e a vista de lá, de tirar o fôlego. Assim como a subida, tenho que dizer. São quase 700 degraus. Mas vale à pena, não tenho a menor sombra de dúvidas. Onde quer que se vá há um museu, um pequeno ateliê, um café charmoso ou mesmo uma simples pracinha que é um encanto. Adoro andar por aí prestando atenção a todos, só para ver se encontro algum brasileiro. E não é que não é tão difícil?

Voltando à liberdade do começo da carta: pela primeira vez não tenho papai me dizendo todo o tempo o que fazer nem mamãe seguindo cada um de meus passos. Não há mais freiras regulando o tamanho de minha saia ou o modo como prendo meu cabelo. Não imagina a felicidade que é poder me maquiar do jeito que quiser, por uma roupa que deixaria mamãe de cabelos em pé e sair, nem que seja só para dançar. E eu tenho que te contar um segredo que você tem que proteger com a sua vida: eu experimentei maconha. Não é nada como os “adultos” pintam e a “viagem” – é assim que eles contam – foi boa demais. O problema é que passei o dia seguinte inteiro vomitando e com uma dor de cabeça terrível, como se tivesse me embebedado. Não está nos meus planos tentar de novo, principalmente porque eu sei que faz mal, apesar de ser bom. Só de ver o menino que me ofereceu já é um motivo para você desistir. Ele é mais novo que eu e já está todo detonado. Não é o que eu quero para mim, pode relaxar.

Agora chega de falar de diversão e vamos falar de coisas sérias: a faculdade. A Europa tem uma tradição fantástica no teatro e não poderia ter escolhido um lugar melhor para estudar que a terra de Mollièr. Da teoria à prática, tudo me comove, envolve, domina. Sou de corpo e alma apaixonada pelo teatro. Na semana que vem faço o teste para o grupo da faculdade. Torça por mim!

Mesmo que ainda haja milhares de coisas que posso te contar e que sinta vontade de te dizer tudo, não vou mais falar de mim. Recebi sua carta e fiquei preocupada. Como assim você vem brigando com o papai? O que está acontecendo ai? Queria te ligar, mas o preço da ligação deixa isso impossível! Não faça nenhuma besteira por você nem por ninguém. Você é o irmão mais velho agora, o que servirá de exemplo. Você sempre foi o mais certinho, continue assim.

Certo, algumas coisas boas: Como está a Violeta? Recebi uma cartinha bem meiga dela no outro dia. Vocês inda estão juntos? Ela me parece tão bobinha para você! Acho que você precisava de uma garota mais forte, mais decidida! Mas eu não tenho que me meter nisso, já sei.

Termino aqui antes que me alongue até o infinito – você bem sabe que tenho essa tendência.

Mil beijos, abraços, apertos na bochecha e, para não perder o costume, uns três pontapés.



De sua irmã mais francesa,



Andréa Tavares



P.S.: Quase que me esqueço: ESTUDE!

P.S.2: Te amo, pequeno, e, mesmo do outro lado do oceano, ainda penso em você todos os dias.

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