Por incrivel que pareça, a história começa no primeiro post. Nada de querer espionar e querer começar a ler pelo fim. Procure a primeira carta e divirta-se.

terça-feira, 13 de abril de 2010

5ª Carta

São Paulo,12-11-84

Pedrosa,

Essa é uma carta de despedida, a última coisa que estou fazendo aqui em São Paulo. Em meia hora entro no avião pro Rio e devo ficar lá por um bom tempo.

Nós nos vimos ontem à noite e juramos ser amigos para sempre, independente do tempo, da distancia, enfim, de tudo. Libero você dessa promessa depois do que vou te contar agora. Eu devia ter ficado e deixado que você me desse uma boa surra, que era o que eu merecia, mas sou covarde e nunca aprendi a sentir dor. Você poderia muito bem quebrar o meu nariz ou algo bem pior. Sei como você fica com raiva.

O que eu fiz não foi exatamente contra você, apesar de, sim, ser também isso um pouco. Vou decepcionar logo aquele quem me ouviu, entendeu, deixou reclamar, fez com que eu corresse atrás do que queria. Sabe que, se não fosse você, eu e a Bruna nunca teríamos ficado juntos nem nada disso. Talvez eu nem tivesse passado de ano. Por falar na Bruna, eu sempre soube que, no fundo, ela gostava de você, mas nunca me importei. Certo, isso é mentira. Não era fácil assim, quando eu lembrava disso. Mas era EU quem podia abraçá-la, beijá-la, ter sempre que quisesse. Pode me chamar de idiota por adorar uma mulher que nunca me amou de verdade, mas fui feliz demais assim. E digo “fui” porque tudo acabou.. Você sabe disso, é obvio. Ela é sua garota agora. Toda, toda, toda, toda, toda, toda sua. Podia me conformar com ela te amando, mas doeu muito saber que você a queria também. Mas não é sua culpa. Não. O culpado aqui sou apenas eu.

Me conformei quando a Bruna terminou comigo, sabia o porquê. Na verdade, que era só esperar um tempo: você continuaria com a Violeta e ela voltaria para mim. Assim tudo voltaria ao normal e todos seriam felizes, não haveria problemas. Mas houve. Você não a recusou, não é?

A Violeta me ligou chorando seis dias depois de a Bruna terminar comigo, contando da separação de vocês e o motivo. Fui até a sua casa, ouvi seus lamentos, choros e, acredite, xingamentos. A consolei e, num momento de fraqueza de ambos, nos beijamos. Uma coisa acabou levando à outra e...

Nós dormimos juntos.

Mas não foi por amor, não fiz para acalmá-la. Minha primeira vez, e a dela também, foi movida pela estúpida vontade de vingança contra vocês dois. Acho que nunca antes quis tanto assim voltar atrás.

Ah, mas se fosse só isso não teria tantos motivos para me mortificar. Nenhum dos dois esperava aquilo e... Nem sei como contar isso. Os resultados foram bem maiores do que esperado.

Violeta está grávida.

E eu estou indo embora.

Agora eu recebo o soco. E toda a espécie de xingamento que quiser despejar sobre mim. Um canalha, imbecil. Um merda. Sou muito pior do que isso. Mas minha decisão não vai mudar, não pode mudar. Não vou perder minha vida, todas as minhas oportunidades por causa de um erro juvenil, por causa de uma criança. Nunca poderia amá-la.

E então você me odeia, nunca mais quer olhar na minha cara e, com todos os direitos, quebra o juramento com tão pouco tempo. Ninguém vai te impedir e nem mesmo te condenar. Só quero que saiba que, apesar de não poder ser pai, não vou deixar faltar nada para essa criança, todo o melhor que eu puder oferecer ela terá.
Pedro, eu sou um bosta. Cuide da Violeta por mim. Ela vai precisar muito de amigos. E por favor, por favor, por favor, não a deixe fazer nenhuma besteira, se machucar. Sugeri que ela abortasse, mas ela não quis. Toda aquela história hippie sobre direito à vida. Pergunto-me sobre a vida dela.

Assim que me estabelecer direito no Rio eu entro em contato de novo.

De um fracassado,

Carlos Toledo

4ª Carta

Paris, 18 de outubro de 1984

Mon cher frère,

O fim do ano está chegando e aqui só fica cada vez mais frio. O divertido é olhar como as pessoas se vestem. O inverno é uma estação tão chic! Até consegui comprar um par de botas lindíssimo. Mas já sei, você não quer ficar ai lendo sobre roupas.

Falemos de outra coisa boa do inverno: o romance! Conheci um cara incrível! Chama-se Gerard e é simplesmente perfeito. Participa da companhia de teatro, mas lida com a parte sonora. Tem uma banda punk e toca bateria! Não usa drogas – tirando muito ocasionalmente -, joga basquete super bem e ajuda numa ONG bem bacana de ajuda educacional por aqui. Está fazendo ciências sócias, mas sempre me ajuda nas coisas da faculdade e tudo mais. E uma última coisa, que sei que você vai dizer que não queria saber, mas vou contar mesmo assim: o beijo dele é ma-ra-vi-lho-so! Tirei ou não a sorte grande? Estou totalmente apaixonada.

E por falar em amor... Dei pulinhos de alegria pela casa quando soube que você e a Bruna estão namorando. É tão lindo! Sei que a Violeta é um amorzinho e tudo mais, mas você merece alguém mais mulher. A Bruna vai te trazer pro chão - e sabe que você precisa disso, né? Espero que vocês fiquem juntos um bom tempo!

Posso falar mais de Paris? Acho que tenho um caso de amor com essa cidade! Aos poucos os enfeites de natal cão enchendo tudo de luzinhas, guirlandas e papais noéis. E ainda esperam neve para esse natal. Deve ser tão lindo! Fico só imaginando como pode ficar tudo coberto de branco, mesmo que fique ainda mais frio.

Estou com saudades de casa. Até do chato do Ezequiel. Não vou perguntar por todos por que já me bastam os relatórios da mamãe e suas milhares de cartas. Falando nisso, desculpe não ter respondido a todas, mas me falta tempo e paciência de escrever. Não desanime de mandá-las, por favor! Sabe que, mais cedo ou mais tarde, eu acabo respondendo. Adoro ficar lendo sobre suas coisinhas, seus pensamentos, seu cotidiano. Bom saber que ainda sou sua confidente. O pessoal da escola ainda manda cartas, mas perdi o contato com a maioria e isso é chato. Não queria ver as amizades acabando assim... Mudando um pouquinho, senti muita falta do Luca outro dia. Ele ia AMAR isso aqui.

Falando nisso, quando você vem me visitar? Convença o papai de pagar sua vinda! Aproveita as férias, diz que você já passou no vestibular, se formou na escola com louvor... Ah! Quase que esqueço: parabéns por ter passado! Sexto lugar, né? Sabia que você ainda viraria um gênio. Niemeyer que se cuide, tem mais um grande arquiteto a caminho! Você ia super aproveitar ficar só passeando aqui, ver os prédio antigos e modernos tão perto uns dos outros. É mágico!

Voltando à saudade, sabe uma coisa que eu sinto muita falta? Meus discos! Sei que você deve estar fazendo bom proveito deles. Não é que a música aqui seja ruim, mas dou meu reino por um sambinha, uma bossa nova... O lado bom é que consegui comprar uns LPs aqui que não chegam no Brasil. É incrível a quantidade de música sendo produzida!

Por enquanto é só, mas logo mais te escrevo de novo. Adoro-te!

Abracinhos, beijinhos na testa e um soquinho no braço,

De sua irmã teatral,

Andréa Tavares